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Império de Aço

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Mensagem por Joshua Ford Sáb 26 Dez 2015 - 16:37

Me sinto estranho hoje. 
A cabeça parece flutuar e tenho o poder de concentração de uma porta. 
Eu sabia que não devia ter me fartado daquela garota. Ela transpirava vodca barata e cigarro mentolado, mas é como dizem: a gente não controla a fome. 

Nem a ira, a frustração ou mesmo a tristeza. 

Eu me pego agora sentado no sofá rodeado por álbuns de fotografias. E cada uma das páginas que viro me ataca como se um boxeador profissional me acertasse no olho, no queixo e no estômago. Meus dentes trincam e a nuca pesa ao mesmo tempo em que tenho a sensação de desmaio e queda. 

O que você faria se aos vinte e nove anos e em plena ascensão profissional descobrisse que... quer dizer... lhe falassem que seu pai virou um vampiro e é por isso não tinha mais contato com ele há anos ? 

É difícil segurar o riso por quê tudo parece tão ridículo e fantasioso que já pensei em procurar ajuda profissional. Eu estava com as chaves do carro quando passei a língua no interior da boca e senti, senti o lugar onde as minhas presas rasgaram o lábio superior por dentro quando saíram pelas primeiras vezes. 

Sim. Meu pai foi transformado e eu também. Dele não sei o que foi feito, de mim pouco mais que nada. 

Logo após seu desaparecimento eu fui para o oriente e não encontrei pistas ou rastro e ainda tive que lidar com investidores preocupados, afinal, é o nome da empresa que está em jogo. Assumi compromissos que não me interessam pelo bem da família e logo que retornei me encontrei com um homem. 

Um homem que se dizia amigo de meu pai e tinha assuntos importantes para tratar comigo. Um senhor distinto que me acolheu em sua mansão e antes mesmo de eu terminar de tomar a água com gás e limão voou sobre mim, se uniu ao meu pescoço com a força de um leão e drenou minha coragem, lucidez e esperanças. 

Quando ele finalmente me largou, após ter feito eu tomar um pouco do seu próprio sangue, meu corpo ficou imóvel mas meus olhos conseguiam acompanhar tudo ao meu redor. Eu via seus lábios se mexendo e um sorriso satisfeito figurou em seu rosto. 

Nem sei precisar quanto tempo se passou até que eu apagasse. Tinha certeza que estava morto até despertar assustado numa suíte onde o meu anfitrião sanguinário aparentemente aguardava. Sentado numa poltrona de espaldar alto falou antes mesmo que eu pudesse firmar o olhar e dizer qualquer coisa: 

— O tempo agora está a seu favor, mas mesmo assim serei breve para não tomar mais do que é necessário. Não me interrompa e ao final responderei suas perguntas. 

A voz dele era firme e eu ainda estava atemorizado encarando seus lábios. Eu tinha a nítida impressão de que ele me atacaria de novo e eu sequer tinha forças para pedir ajuda. E tampouco acreditava que conseguiria caso tivesse. Onde eu estava afinal ? Pouco importava então prestei atenção no discurso. Ele tinha um porte altivo, vestia um terno caro de risca-de-giz e o cheiro de colônia francesa era marcante, tanto quanto seus olhos angulares que pareciam enxergar minha alma.

— Seu pai se mostrou um aliado valoroso a minha causa. Meu nome verdadeiro é Vladmus Speranza e você já teve provas de que não sou humano. Eu soube que seu pai estava muito doente desde que o vi pela primeira vez e lhe ofereci uma cura. Ah, queira me perdoar, mas pela sua feição eu tenho certeza de que não sabia da enfermidade do seu pai não é ? Bem, ele estava com leucemia e seres como nós com o tempo aprendem a sentir certas coisas, como vocês ao escolherem uma fruta madura ao invés de uma verde. Pois bem, ele aceitou prontamente e assim firmamos uma aliança. Nos ajudávamos mutuamente até que ele encontrou um desafio muito maior do que sua capacidade suportava e inadvertidamente enfiou os pés pelas mãos. Seu pai era um desbravador, a energia que corria em suas veias não poderia se extinguir e por isso eu o transformei. No entanto, ele era um peixe pequeno perto de outros vampiros e ele apostou muitas fichas num cavalo errado até cair numa armadilha. Desconheço o paradeiro do seu pai, se é mantido cativo ou já virou pó a mando de alguém. E por saber bastante a respeito de você resolvi trazê-lo para o nosso lado, ainda que sem seu consentimento, pois o que virá atrás de você em breve também não se daria esse trabalho. 

A conversa pareceu tão longa que fui perdendo as minhas forças e desmaiando de novo incapaz de perguntar qualquer coisa. Antes de cair na escuridão novamente o ouvi finalizar: 

— Astor ? Leve-o para o apartamento dele e coloque vigias nos arredores. Se algum dos enviados de Maquiavel estiver a caminho intercepte e traga até mim. Avise Uriel que tenho alguém para enviar... assim que a transição terminar. 

Quando despertei na minha cama havia um bilhete escrito com caneta tinteiro que dizia:

"Não circule, em breve entrarei em contato"


Obviamente desobedeci e sai. Precisava de ar e a brisa noturna me acalmou um pouco. Não havia qualquer sinal da mordida que tomara, mas eu me sentia faminto. Entrei num restaurante e pedi um lanche, o descartei após a primeira mordida pois parecia que eu mastigava isopor. Saí desorientado e sentindo o estômago roncar até entrar num beco e regurgitar o pouco que havia comido. Uma garota, provavelmente uma viciada, se aproximou e disse que me ajudaria e tão logo eu senti suas mãos tocando minha carteira avancei nela com tal fúria que só a larguei muito depois dela ter parado de se mexer e ficar fria. 

A fome tinha sido aplacada. Eu estava satisfeito, mas ainda mais confuso. 
Isso foi há um dia e não me sinto capaz de sair novamente, ao menos não enquanto houver luz no céu.

Faltam duas horas para anoitecer e me sinto uma fera enjaulada que finge descaso quando na verdade mal pode esperar pela oportunidade e sabe que ninguém será capaz de impedi-la.
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Mensagem por Joshua Ford Dom 27 Dez 2015 - 10:10

Quatro anos se passaram desde a noite em que Speranza me transformou. 

O recado deixado em meu flat era um teste segundo ele disse. Se eu não tivesse saído teria sido providenciado um kit de sobrevivência para consumo no conforto do meu lar. Como não aceitei a dica ele achou que eu merecia ter uma lição. Esse jogo de morde-e-esconde se tornou menos complexo nos meses seguintes e apesar do começo desatroso eu até me saí bem. E ele sabe disso embora eu ache que jamais reconhecerá. 

A parte mais difícil foi passar a ser um notívago. Justificativas para tal mudança não faltavam: eu sempre respondia quando questionado pela mídia ou demais que desde a ausência de seu pai precisara trabalhar em diferentes fusos e achara melhor trocar a noite pelo dia e havia alguns outros Ford lidando com tudo no horário comercial. Também alegava que havia descoberto ser mais produtivo a noite e como também não podia mais participar de torneios graças minha agenda lotada gostava mesmo era de correr por lazer a noite. Complicado foi deixar de fazer viagens longas sem todo um planejamento e logística muito restritos e vez ou outra ter que lidar com contratempos. Numa oportunidade quase terminei torrado quando uma limousine enviada por uma rede de televisão, com todas as características de segurança, quebrou na autoestrada pouco antes do sol nascer. Logo os paparazzi desistiram de seguir boatos que eu havia sido visto pela manhã na praia, depois jogando golfe no café da tarde ou esquiando horas antes do sol se pôr. Mesmo com eles consegui lidar criando um esquema de segurança digno de obras de arte no Louvre e com uma equipe bem paga tenho a tranquilidade de apenas ser incomodado por humanos se assim eu permitir.
Mesmo assim tinha horários rígidos para tudo, apesar de ter a liberdade para muda-los de tempos em tempos. Eu assumi aos poucos o cargo de meu pai e acrescentei lobista ao meu currículo de corredor profissional e engenheiro automobilístico. Era impossível não me impressionar com a forma a qual comecei a deslanchar e encantar investidores. Meu pai representava a consolidação do Império de Ferro que havia se tornado a Ford e eu ? Eu fui chamado de a "Estrela do Novo Milênio" pela Forbes. Uma grande honraria que teria dado muito orgulho a todos aqueles de quem descendo. Meu único defeito, certamente diria meu tio Edsel Ford II - atual membro do conselho da empresa -, era não ter encontrado uma boa esposa e consolidado um bom casamento. 

Mal sabia ele que isso poderia ter complicado totalmente as coisas.  

Tapetes de mulheres de prestígio desenrolam aos meus pés e embora façam meu tipo preferido não são de modo algum minha única fonte nutritiva. Speranza sempre foi cauteloso e tentava me transmitir esse espírito, afinal, ele não estava vivo há centenas de anos por pura sorte. Então me ocorreu a ideia de possuir meu próprio sistema delivery: um homem de posses contrataria um serviço de acompanhantes. Eu investi em contatos e agências de modelos e tenho um cardápio livre de suspeitas e totalmente maleável já que é comum - e até esperado - que alguém na minha posição ter verdadeiras afrodites desfilando ao meu redor. Elas são estudadas e escolhidas com cuidado uma vez que eu detesto ter surpresas desagradáveis durante as refeições. Cópias de exames de todas as naturezas, históricos diversos e toda uma investigação profunda precede a chegada de uma nova companhia. Tudo completamente justificável pela minha segurança, bem estar e desejo: livre de qualquer suspeita. 

Todo esse cuidado é irônico quando paro para pensar que a minha primeira vítima estava num beco fétido e tentou bater minha carteira. Me lembro até hoje da violência com a qual quase arranquei sua cabeça do corpo e atirei seu corpo sem pulso no chão antes de sair correndo. Hoje depois de me servir eu retiro todas as memórias do meu lanche com elas e as modelos sempre querem mais. Vejo e sei que não é apenas minha aura vampírica que nubla seus sentidos. Sei que tinha alguma presença antes de Speranza mas minha aparência, performance, status e posses me tornam o partido ideal e o término evidentemente nunca parte delas. Funciona bem já que me satisfaço por completo e mantenho um pequeno rebanho particular sempre a mão. 

Sei que há vampiros que são capazes de feitos grandiosos, como dominar mentes simultâneamente e em grande quantidade, apagar memórias antigas e substituí-las pelas que bem quiser ou ainda apagar a identidade de alguém por completo e plantar uma nova. Há aqueles que também conseguem manter o controle sobre suas vítimas mesmo a longa distância e esses realmente são os que temo. E esse é um dos principais motivos pelos quais tenho tanta cautela. Encontros furtivos podem render sensações prazeirosas e de grande adrenalina, mas sempre posso optar por pegar um dos meus carros e correr como se não houvesse amanhã: mesmo um ambiente controlado pode me dar alegria se tudo for devidamente orquestrado.

Speranza falou de Uriel na minha presença apenas por duas vezes. A primeira na noite em que me mordeu e a segunda ontem enquanto fazíamos uma reunião de negócios. O tal vampiro parece finalmente interessado em me conhecer, ou melhor, me encontrar pois é certo que ele me conhece, aprova meus métodos e primeiros anos de sobrevivência. Já fiz negócios para Speranza sob as ordens desse Ivanov e sei que foram muito rentáveis. Apesar de ser bastante novo nessa história toda o que me explicou sem delongas é que Uriel Ivanov é um dos mais poderosos que caminha sobre a Terra e que lidar com ele é sempre um risco. Disse ainda que nem mesmo uma dezena de séculos me tornaria um ser equivalente a ele e que eu jamais deveria tentar passa-lo pra trás. Existe uma potência em seu sangue que nenhum outro alcançaria pois ele é cria direta de um Original. O que entendi é que um Original é o equivalente aos deuses do olimpo, Caim seria representado por Zeus, Uriel Ivanov seria o Hércules enquanto eu se muito seria Aquiles. Não é de todo mal, mas todos sabem como poderia terminar uma briga entre eles.  

Os que me conhecem sabem que prezo alguns códigos morais e mesmo agora não me sinto liberto deles, ainda mais se for para arriscar minha pele. Sei que sou afortunado pela forma como tudo aconteceu, minha revolta quanto a minha transformação forçada não durou muito e não sofro com uma ganância tão estúpida a ponto de atentar contra a minha própria existência. Por isso finjo me sentir seguro. 

Em poucos dias devo encontrar Ivanov e eu seria um tolo se não estivesse preocupado. E um completo idiota se nenhum pouco lisonjeado. É fato que herdei o faro para negócios da família, mesmo tendo fugido disso por toda minha vida humana, e agora mais do que nunca é chegada a hora de testar minhas qualidades e ascender rumo aos grandes. 

Isaac Newton disse certa vez "Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros de gigantes."
É chegada minha hora de ter uma vista panorâmica.  Hei de aproveita-la e brindar com as mais finas taças por isso. 
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